que resolveu morar na beira da estrada. ali eu onde eu passo todos os dias, despretensiosamente dirigindo. desligadamente pisando no acelerador. imensamente afundada nos incessantes pensamentos matinais. que parecem estourar feito milho virando pipoca na minha cabeça. um atrás do outro. saltando sem pedir licença, sem esperar na fila, sem aguardar o silencio apropriado.
ainda bem que havia aquele Ipê amarelo.
se não fosse pela sua majestosa e generosa beleza, meus olhos ainda estariam presos naquele transe - como se assoprassem um apito, feito inspetor escolar, tentando organizar a bagunça que os pensamentos fazem na minha cabeça. estariam ainda cegos para o caminho percorrido. como quando usamos óculos de sol para caminhar na praia em um dia com muita maresia. se gruda nas lentes uma especie de camada que não nos permite enxergar os detalhes, apenas uma imagem panorâmica da cena que está rolando. feito uma fotografia de alta resolução, pixelada na tela de uma televisão.
mas ainda bem que havia o Ipê amarelo.
percebi a sua presença porque era impossível não o fazer. se essa árvore fosse uma pessoa, certamente seria uma mulher muito, mas muito bonita. daquelas que não precisaria acenar para conseguir carona, tampouco usar uma roupa provocante ou apelativa. seria aquele exemplar que quando entra em um recinto, sempre é notada. teria um sorriso largo, mas tímido. brilhante e generosa. exuberante e simples.
ainda bem que havia o Ipê.
me fez tirar o óculos de sol e enxergar as cores em alta resolução. aquele amarelo era cintilante, brilhava e iluminada tudo ao redor. inclusive meus olhos. inclusive meu coração. que por vezes se esquece, tolo do jeito que é, do poder e da beleza das coisas simples.
e foi assim que uma mágica aconteceu. depois daquele Ipê amarelo, muitos outros começaram a aparecer. roxo, cor de rosa. alguns pequeninos, que poderiam ser facilmente plantados aqui, dentro do meu gramado. outros muito grandiosos, fazendo uma sombra generosa que facilmente abrigaria uma grande família italiana. e junto com eles, com as cores e com o brilho, surgiu o céu azul. o barulho do vento entrando sorrateiramente na minha janela aberta. balançando e bagunçando meus cabelos. desembaçando minha vista, cansada de enxergar os pensamentos que corriam na minha frente.
e eu enxerguei. depois daqueles, muitos outros. flores neles, flores em mim e flores em você.
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